Caldinho de Pata-Roxa à Bocacheia

A pata-roxa é um dos tubarões que vive nas nossas costas. Tem pele de lixa e cabeça larga. Depois de esfolada e esventrada fica com metade do peso. É dos tesouros mais escondidos da nossa gastronomia. Deve fazer-se as contas a uma pata-roxa por cabeça. Venham então as pata-roxas esfoladas, esventradas e decapitadas. Os preciosos fígados, reservados e os corpos cortados em postas de três dedos. Salga-se e rega-se tudo com um copo de branco e deita-se por cima uma folha de louro a velar o tempero. E disse um copo, não disse meio copo, nem disse três copos. Um copo de branco, igual ao que se serviu para ir dando beijinhos enquanto se cozinha. Num tacho de barro, tapa-se o fundo com azeite e picam-se tres dentes de alho aos quais se juntam duas malaguetas desfeitas. Acende-se o lume e pica-se uma cebola em rodelas. Quando os alhos gritarem do calor do azeite, saltam as cebolas que se remexem até ficarem transparentes. Entram na dança quatro tomates maduros. Picadinhos com peles e sementes. Costumo temperar os tomates com uma pitada de sal e uma pitada de açúcar. O lume brando vai abrindo os sabores. Enquanto a tomatada acontece no tacho dá tempo para servir e beber outro copo de branco. Quando o cheiro se espalhar pela cozinha e já não se distinguirem dentro do tacho pedaços de tomate inteiros, está na hora de entrar a pata-roxa. Não se despeja, depositam-se delicadamente as postas sobre a tomatada. Reserva-se o fígado e rega-se com o branco que ficou arroxeado do sangue do peixe. Tapa-se o tacho e trata-se dos cheiros. Em fresco: coentros com fartura, meia dúzia de folhas de hortelã, secos um bocadinho de poejos e umas folhinhas de oregãos, poucachinhos... para não abafar o sabor. Fica-se tudo junto bem fininho e despeja-se da tábua para cima do peixe que já está a ficar no ponto. Vão agora os fígados das bichinhas. Por cima de tudo, só para apanharem calor e deitarem sabor ao caldo. Tapa-se e apaga-se o lume. O caldeirão da magia fica a repousar. Corta-se uma fatia de pão por cada cabeça e torra-se. A fatia de pão torrado num prato fundo e o peixe mais o caldinho por cima. O branco continua a ser a melhor companhia. Não contem a ninguem que vos disse como se faz. É segredo.

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