Açorda Alentejana à Bocacheia

Primeiro põe-se a agua ao lume. Contam-se as cabeças a alimentar e vão-se pondo os púcaros de agua. Mais um para alguém que possa vir. Depois pisam-se os alhos com os coentros. Uma cabeça de alhos miudinhos e intensos e um molho generoso de coentros, acabados de apanhar no vaso ou na horta. Podem vir também uns poejos e oregãos verdes, poucos os oregãos, para não amargar, só para dar sabor. Vão todos juntos para serem pisadinhos no almofariz. De preferência de pedra, ou que seja de ferro... sempre é melhor que o de madeira. Para temperar e ajudar a desfazer a mistura, vai-se ponto pedrinha a pedrinha uma pitadinha de sal. Com paciência e afinco. Até ficar uma massa esverdeada e uniforme com cheiro intenso. Pode provar-se com a ponta do dedo. Procura-se um desses alguidarinhos de barro que se tempera com um fio generoso de azeite no fundo. O pão pode ser duro de uns dias. Daquele pão bom, pão de cabeça. Aqui é importante esclarecer, o pão deve ser migado com as mãos. Este recado é para os homens, habituados a tudo cortarem com a sua navalha... Pois fiquem já todos sabendo que a açorda se faz migando o pão com as mãos, provando-se desde já, duvidas houvessem, que foram as mulheres quem inventou a açorda. Com as mãos arranca-se um bocado da côdea, um bocado grande, da côdea da cabeça do pão. Despeja-se a massa do alho e dos cheiros do almofariz para cima do azeite que repousa no fundo do alguidar. A côdea serve para limpar bem o almofariz e o pilão, depois deixa-se estar esta côdea grande à espera. O resto do pão é paciente migado com as mãos e depositado por cima do azeite e da massa dos alhos e cheiros que descansam no fundo do alguidar. A agua já deve estar a ferver, por isso já se podem pôr a escalfar os ovos, um por cabeça, ou dois por cabeça, dependendo da fome, da gula dos presentes e da fertilidade da galinha. Deixam-se cozer os ovos, dois ou três minutos, não mais para a gemas não ficarem em pedra... e apaga-se o lume. Repousando a fervura e os ovos, tira-se um a um, com cuidado para não abrirem, para um prato onde vão ficar enquanto se faz a açorda. A agua quente onde se cozeram os ovos é despejada com cuidado por cima do pão migado, da massa do alho dos coentros e do azeite. O pão incha de sabor e orgulho de poder alimentar as bocas que se sentarem a mesa. A côdea grande que se guardou é uma ancestral colher. Mexe-se e remexe-se com essa colher. Misturam-se os sabores e vai amolecendo o pão e fazendo a sopa. Quando a côdea estiver demasiado mole para remexer, está na hora de servir. Uma concha de açorda num prato fundo mais um ovo escalfado por cima. Comida de conforto. Enche a barriga, da alento e conforta a alma Para os sortudos umas lascas de queijo com pão e um copo de vinho tinto.

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